António Freire, Do Destino na Tragédia Grega

Porque por vezes fazemos uma leitura simplista da importância do Destino no desenvolvimento das tramas das Tragédias Gregas, o livro de António Freire "O Teatro Grego" pode ajudar-nos a compreender a forma como o fatalismo era entendido pelos gregos, havendo lugar para uma leitura de cariz popular e outra de âmbito filosófico. Apoiando-se na crítica de vários helenistas, António Freire considera que a fatalidade não é um elemento essencial à Tragédia. Dá como exemplo o "Rei Édipo" de Sófocles, afirmando que Édipo age livremente, apesar do oráculo prever a desgraça que se abate sobre ele para expiar a culpa do pai, e que, aos olhos dos espectadores da Grécia Antiga, este mereceria o castigo sofrido não por ser incestuoso e parricida, porque involuntário, mas por não dominar as suas paixões, mostrando-se irado, arrogante e injusto.
A leitura de Deniz-Jacinto vai no mesmo sentido, por isso também aqui coloquei um excerto do seu livro "Teatro III".
 
 
«[...] Há uma objecção que pode oferecer alguma dificuldade a leitores não familiarizados com a subtil dialéctica filosófica: é a predição oracular de desgraças fatais, como no caso de Laio e de Édipo.
O facto de sucederem acontecimentos vaticinados, quer pelo oráculo de Apolo, quer pelo adivinho Tirésias (na Antígona de Sófocles), não permite inferir daí fatalismo algum. A liberdade das personagens mantém-se intacta, e isso é o que importa para excluir o fatalismo. A predição é feita em virtude da previsão infalível da actuação livre das criaturas. [...] Não se dão os factos porque Deus os prevê ou prediz, mas Deus prevê-os ou predi-los porque eles realmente se dão e lhe estão presentes. [...]»
 
Fonte: Freire, António. (1997) O Teatro Grego. Braga: Edições APPACDM.
 
 
«[...] A moira, o destino, não é então aquela potência arbitrária, caprichosa e cega que, durante muito tempo, foi apresentada como móbil da tragédia grega. Com este sentido parece que não podemos incluir o destino na motivação trágica. Mas podemos, por certo, aceitar relações de causa-efeito, um determinismo que a partir de um erro cometido pelo herói, se cumpre como uma reacção em cadeia através das vicissitudes do drama.
O herói trágico pode trazer ainda em si mesmo, como herança, uma tara que o expõe à provação. Ele não é pessoalmente culpado, no sentido que hoje podemos atribuir à palavra, mas deve limpar-se da chaga original mediante a aceitação das consequências dela, e depurar-se da mácula por intermédio da dor que, simultaneamente, será a grande mestra da vida. [...]»
 
Fonte: Deniz-Jacinto. (1992) Teatro - III (A Tragédia). Porto: Lello & Irmão Editores.