Aristóteles, Poética

Texto do século IV a.C. atribuído a Aristóteles, discípulo de Platão e preceptor de Alexandre, que trata da Tragédia (dramática) e da Epopeia (narrativa), comparando ambos os géneros. Interessou-me aqui dar maior relevo às suas afirmações sobre a tragédia, suas características e finalidade.
 

«[...] É, pois, a tragédia imitação de uma acção de carácter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [drama], [imitação que se efectua] não por narrativa, mas mediante actores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação das emoções. [...]
 
E como a tragédia é a imitação de uma acção e se executa mediante personagens que agem e que diversamente se apresentam, conforme o próprio carácter e pensamento (porque é segundo estas diferenças de carácter e pensamento que nós qualificamos as acções), daí vem por consequência o serem duas as causas naturais que determinam as acções: pensamento e caracter; e, nas acções [assim determinadas], tem origem a boa ou má fortuna dos homens. Ora o mito é imitação de acções; e, por "mito", entendo a composição dos actos; por "carácter", o que nos faz dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade; e por "pensamento", tudo quanto digam as personagens para demonstrar o que quer que seja ou para manifestar sua decisão.
 
É, portanto, necessário que sejam seis as partes da tragédia que constituam a sua qualidade, designadamente: mito, carácter, elocução, pensamento, espectáculo e melopeia. [...]
 
Porém, o elemento mais importante é a trama dos factos, pois a tragédia não é imitação de homens, mas de acções e de vida, de felicidade ou infelicidade reside na acção, e a própria finalidade da vida é uma acção, não uma qualidade. Ora os homens possuem tal ou tal qualidade, conformemente ao carácter, mas são bem ou mal-aventurados pelas acções que praticam. Daqui se segue que, na tragédia, não agem as personagens para imitar caracteres, mas assumem caracteres para efectuar certas acções; por isso, as acções e o mito constituem a finalidade da tragédia, e a finalidade é de tudo o que mais importa. [...]
 
Quanto ao espectáculo cénico, decerto que é o mais emocionante, mas também é o menos artístico e menos próprio da poesia. Na verdade, mesmo sem representação e sem actores, pode a tragédia manifestar seus efeitos; além disso, a realização de um bom espectáculo mais depende do cenógrafo que do poeta.[...]
 
Não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verosimilhança e a necessidade. [...] Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta, o particular. [...]
 
É, pois, necessário que um mito bem estruturado seja antes simples do que duplo, como alguns pretendem; que nele se não passe da infelicidade para a felicidade, mas, pelo contrário, da dita para a desdita; e não por malvadez, mas por algum erro de uma personagem, a qual, como dissemos, antes propenda para melhor do que para pior. Que assim deva ser, o passado o assinala. [...]
 
Dizem que a epopeia se dirige a um público elevado, porque não exige a exterioridade dos gestos, e a tragédia, aos rudes, e que, sendo vulgar, decerto que é inferior. [...] Mas a tragédia é superior porque contém todos os elementos da epopeia (chega até a servir-se do metro épico], e demais, o que não é pouco, a melopeia e o espectáculo cénico, que acrescem a intensidade dos prazeres que lhe são próprios. [...]»
 
 
Fonte: Aristóteles. (1992) Poética. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda.