Deniz-Jacinto, Os conflitos e as situações trágicas

No volume III da colecção «O tempo encontrado», Deniz-Jacinto reúne um total de 22 artigos onde discorre sobre as origens da Tragédia Grega no século V a.C. até à sua decadência no século seguinte, abordando ainda a renovação do género no Renascimento.
Aqui se encontra um excerto do 13º artigo intitulado "Os conflitos e as situações trágicas":
 
«A tragédia dos grandes clássicos gregos correspondera a uma época em que se foram definindo e afirmando as estruturas da Democracia, com suas lutas e antagonismos, e profundas modificações em lapso relativamente breve de tempo. Época onde ecoavam reminiscências das sociedades arcaicas, cujas crenças sobreviviam ainda de par com uma nova teogonia e o dealbar da filosofia científica, o nascimento da sofística, a criação do direito na "cidade". [...] A Tragédia tornava-se um instrumento necessário de sondagem da realidade cósmica e humana, e punha o cidadão na presença dos problemas que fundamente o pungiam: o da liberdade, em oposição às restrições que se lhe opunham, e o da vontade, frente a frente com o infortúnio inerente à sua condição. [...] É que, instrumento de conhecimento, a Tragédia foi, igualmente, um instrumento de "controle" social, promovendo a inserção do indivíduo nas normas da polis, aclimatando a consciência individual à vida regularizada pelo direito nascente [Cf. Georges Gurvitch].
A Tragédia é essencialmente um teatro de conflitos; e o herói trágico é um ser que toma sobre si o encargo de "exprimir patologicamente o conflito das crenças colectivas admitidas e da consciência individual." [...]
Duvignaud [...] distingue quatro situações fundamentais na Tragédia [...]
 
- Situação trágica que toma o aspecto dum protesto contra o inelutável, duma reivindicação contra a ordem estabelecida e cuja validade é contestada [...]
- Uma segunda situação consiste na oposição de duas definições da pessoa humana integrada na sociedade, ou na oposição de dois sistemas de crenças [...]
- Outra situação é a que reside na busca dum compromisso, na procura de um apaziguamento que ponha fim à tensão entre posições aparentemente inconciliáveis. [...]
- Há um quarto género de situação trágica que se caracteriza por uma denúncia implícita ou não, do constrangimento inelutável como exigência irracional e absurda. [...]
 
A aprendizagem pela dor [...] é extensível a toda a Tragédia porque em toda ela sempre um doloroso exemplo nos ensina qualquer coisa de novo sobre a nossa humanidade. [...]»
 
 
Fonte: Deniz-Jacinto. (1992) Teatro - III (A Tragédia). Porto: Lello & Irmão Editores.