Peter Brook, Conversa sobre Teatro

Em 1991 Peter Brook encontrou-se com professores e artistas responsáveis pelas classes de Teatro e Expressão Dramática em diversos liceus franceses. O resultado foi registado no livro "O diabo é o aborrecimento", de que aqui coloco um excerto. Falou-se das diferenças entre o teatro e a vida, do que é necessário para fazer teatro e do aborrecimento como guia universal para julgar um trabalho. 
 
 
«[...] Nenhuma experiência fresca e nova é possível se não existir previamente um espaço nu, virgem, puro para a receber. [...]
 
Vamos ao teatro para reencontrar a vida, mas se não existe nenhuma diferença entre a vida fora do teatro e a vida dentro do teatro, nesse caso o teatro não tem nenhum significado. Não vale a pena fazê-lo. Mas se aceitarmos que no teatro a vida é mais visível, mais legível do que no exterior, verificamos que é ao mesmo tempo a mesma coisa e uma coisa um tanto diferente.
A partir desse facto podemos propor algumas precisões. A primeira tem a ver com o facto dessa vida ser mais legível e mais intensa porque está mais concentrada. o próprio facto da redução do espaço, da condensação do tempo, cria essa concentração. [...]
 
Um livro pode ter vazios mas no teatro, em cada segundo, o público pode ser perdido se o tempo de uma cena não for o tempo certo. [...] É quase sobre-humano renovar continuamente o interesse, encontrar essa novidade, essa frescura, essa intensidade, segundo a segundo. [...]
 
Se concebermos automaticamente a ideia que para fazer teatro é preciso começar por uma cena, por uma peça, uma encenação, cenários, a luz, a música, sofás... se tomamos isso como uma evidência, optamos por um caminho errado. [...] para fazer teatro só precisamos de uma coisa: a matéria humana. Isso não significa que o resto não tenha importância, mas não é a matéria principal. [...]
 
O olhar do público é o primeiro elemento a ajudar-nos. Se sentimos esse olhar como uma autêntica exigência que pede a cada momento que nada seja gratuito, que nada seja frouxo, mas que tudo seja vivo, compreenderemos que o público não tem uma função passiva. Não precisa "intervir", de se manifestar para participar. Está sempre a participar graças à sua presença desperta. [...]
 
O principal guia que conheço no trabalho, aquele que ouço constantemente, é o aborrecimento. [...] Se o aborrecimento irrompe, virá a tosse, os pequenos ruídos, uma pessoa que se levanta, uma outra que cochicha e por fim, o pior de tudo, alguém que abre o programa!
Não devemos nunca ter a pretensão de que aquilo que fazemos é inevitavelmente interessante, nem dizer nunca que o público é mau.»
 
 
Fonte: Brook, Peter. (1993) O diabo é o aborrecimento - conversas sobre teatro. Porto: Edições Asa.