Stendhal, Sobre a arte de escrever comédias

Se se escreve pouco sobre teatro, sobre a comédia menos ainda. Daí que o Tratado sobre a arte de escrever comédias de Stendhal (1813), inserido no livro "Do Riso, um ensaio filosófico sobre um tema difícil e outros ensaios", seja uma relíquia para quem se interessa pelo assunto. Optei aqui por me limitar à transcrição de algumas das suas observações sobre o assunto.
 
 
«É em vão que se pretende ser artista sem ter engenho.»
 
«Não há um único juízo sem a cooperação de todas as faculdades intelectuais. Não há nada que possa ser exclusivamente atribuído à sensibilidade, à memória, ao juízo ou à vontade.»
 
«Estudar o tédio, essa hedionda causa das belas-artes, é tentar entender o que se passa em nós quando estamos entediados e quando deixamos de estar.»
 
«Nas artes, nunca podemos perder de vista o objectivo. Só quando o atingimos é que damos conta do esforço.»
 
«O intuito moral é um disparate [...]. O único intuito é fazer rir.»
 
«Breve conjunto de princípios:
1º princípio: Ser cómico é enganar-se nos meios de atingir o objectivo.
2º princípio: No homem mal-humorado os efeitos do cómico custam a fazer-se sentir. Para o apaixonado, o cómico não tem grande importância.
3º princípio: Será que em todas as comédias, quando se reconhece o hábito de uma alma viciosa, esse hábito deve sujeitar o homem de vícios às maiores desventuras desse hábito vicioso?
4º princípio: A verdadeira boa disposição francesa deve dar a entender aos ouvintes que o interlocutor está bem-disposto apenas para lhes agradar.»
 
Em Da Comédia (1816), incluído na mesma obra:
 
«Tudo pode ser objecto do cómico [...] apenas o talento escasseia.»
 
«O cómico deve ser exposto com clareza (entendo por cómico tudo o que provoca o riso: um gesto, uma palavra, uma expressão).»
 
«Eis os únicos limites do riso: a compaixão e a indignação.»
 
«O nosso amor-próprio, que exige respeito e por vezes está meio ferido, delicia-se com a visão imprevista da inferioridade de uma pessoa que julgávamos ser superior a nós ou , pelo menos, rival da nossa superioridade.
Se suspeitamos que essa pessoa finge ser superior, então redobra a nossa sede de gozo.»
 
«O mais pequeno detalhe, a mais leve circunstância é decisiva para provocar ou impedir o riso. Nada é mais delicado do que o riso. A ausência da menor condição retira o seu efeito ao aspecto mais cómico, impedindo que o riso surja.»
 
«As generalidades não provocam o riso. Para ridicularizar e fazer rir, os detalhes são essenciais.»
 
«Bocejamos quando vemos outras pessoas bocejarem. É por uma razão semelhante que estar acompanhado favorece o riso.»
 
 
Fonte: Stendhal. (2008) Do Riso - Um ensaio filosófico sobre um tema difícil e outros ensaios. Mem Martins: Publicações Europa-América.