Goldoni, A reforma da commedia dell'arte

Breve exposição, por Jorge Silva Melo nas Edições Cotovia, sobre a 'reforma' operada por Carlo Goldoni (séc. XVIII) na Commedia dell'arte, que com este autor transita de comédia de máscaras improvisada (a partir de um roteiro, canovaccio), assente no jogo do actor, para uma comédia de caracteres, inteiramente escrita.
 
 
«A "reforma" de Goldoni está em marcha. As máscaras desapareceram. O autor escreve a peça inteira. Apresenta personagens verdadeiras e nascidas da observação da vida. Elimina as piadas grosseiras. Elimina os absurdos "de efeito". Tem o verosímil como objectivo. Usa uma única língua em cada peça, o veneziano ou o toscano. A sua reforma é o dobre a finados da comédia de intriga que fizera o triunfo do teatro improvisado, com as suas máscaras, os seus entrechos fantásticos, onde o espectador reconhecia desde o início a índole das personagens e dos seus comportamentos, sempre iguais mas com enredos cada vez mais fantasiosos. Com Goldoni, entramos numa comédia (commedia di carattere) em que o carácter da personagem vai sendo revelado perante os olhos do espectador, em tramas menos complicadas, com densidade psicológica. Em que a surpresa vem da revelação da interioridade das personagens e não dos seus feitos exteriores. Ele avança, assim, para um primeiro teatro naturalista, abrindo as portas ao moderno drama burguês. A sua reforma é, de certo modo, a directa consequência do racionalismo iluminista, num momento em que a grande difusão de periódicos confirma o crescente interesse pela crónica quotidiana em que a burguesia se revê, se comenta, se celebra. E é Goldoni quem, em 1750, na primeira edição do seu Teatro afirma que a sua escrita nasce da observação do mundo, da vida real.»


Fonte: Goldoni, Carlo. (2008) Peças escolhidas I. Lisboa: Cotovia.