Meyerhold, A reconstrução do Teatro (1930)

Depois da Revolução de Outubro de 1917, Meyerhold empenhou-se na reconstrução do Teatro como instrumento de propaganda para a formação do homem novo que a nova realidade social preconizava. Os excertos aqui apresentados foram retirados de uma conferência de 1930, onde o encenador e actor russo caracteriza o tipo de teatro político a que aspira, um teatro revolucionário que já não apela ao anti-esteticismo, mas a um espectáculo que se dirija não só à actividade cerebral do público, mas também à sua sensibilidade.
O empenho de Meyerhold na defesa de um teatro proletário não impediu os ataques de que foi alvo pelos que tinham um entendimento bastante estreito da arte teatral. Em sua defesa respondeu na Conferência dos Diretores (1936), aos que o acusavam de "formalismo", que na obra de arte autêntica «forma e conteúdo são indissociáveis», que se a simplicidade é essencial na arte «cada artista compreende a simplicidade a seu modo»  e que a realização de experiências é essencial à vida artística. Em vão.
 
 
«[...] Já que queremos um teatro que seja um instrumento de propaganda, é natural pedir que do alto da cena sejam lançadas certas ideias ao público. [...] O papel das imagens e das situações cénicas é o de conduzir o espectador a refletir sobre os mesmos temas que são debatidos nas reuniões. Estimulamos a atividade cerebral do público, forçamo-lo a pensar e discutir. Este é um aspeto do teatro. Mas há um outro que faz apelo à sua sensibilidade. Sob a ação do espetáculo, a plateia deve passar por todo um labirinto de emoções. O teatro não atua somente sobre o cérebro, mas também sobre o "sentimento". Daí ser retórico, não ser mais teatro, mas uma sala de conferências, se apresenta diálogos tirados de uma dramaturgia limitada às conversações. E não podemos aceitar isto. [...] Não é suficiente insuflar no espectador uma ideia ou sugerir-lhe as deduções imediatas. A tarefa dos personagens que agem no palco não é de modo algum fazer a demonstração de qualquer ideia do autor, do diretor ou do ator. A luta e os conflitos cénicos não são teses às quais opõem-se antíteses. Não é para isto que o público vem ao teatro. [...]
 
É preciso levar em conta a necessidade que sente o espectador moderno de assistir a espetáculos destinados não mais a trezentas ou quinhentas pessoas (o proletariado evita os teatros "intimistas"), mas a dezenas de milhares (vejam as massas que enchem os estádios de futebol, voleibol, hockey e onde, amanhã, mostraremos jogos esportivos teatralizados). [...] Todo espetáculo criado atualmente aspira a uma participação do público na ação que se desenrola na cena. [...]
 
Os diálogos e monólogos de tese, os métodos esquemáticos de uma propaganda frequentemente estúpida, os personagens esquematizados que são sempre cheios de virtude, se são "vermelhos", e de defeitos, se são "brancos" - tudo isto é atirar no vazio.[...]
 
Chegamos a um momento em que não temos mais necessidade de nos mantermos presos à antiga palavra-de-ordem: "Nenhum esteticismo na cena!", palavra-de-ordem lançada por nós antigamente. 
 
[...] Nossa arte é diferente da arte feudal ou da arte da burguesia. Não se trata mais de evitar a beleza, custe o que custar, com a condição de concordarmos sobre o que entendemos como beleza. Mais de que nunca nosso país necessita de beleza. [...]»
 
 
Fonte: Conrado, Aldomar (Org.) (1969) O teatro de Meyerhold. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.