Raymond Bayer, A estética aristotélica

Na obra História da Estética, Raymond Bayer elabora um percurso pela reflexão sobre a arte e o belo desde a Antiguidade até ao século XX, dando-nos a conhecer a evolução de uma área de conhecimento que só no séc. XVIII ganhou o termo que hoje a define: Estética.
Pareceram-me de particular interesse os seus esclarecimentos sobre o terror e a piedade, assim como a clarificação do termo catarse como objectivo final da tragédia.


«A tragédia segundo Aristóteles
Na parte da Poética em que estuda a tragédia, Aristóteles diferencia-a primeiro da epopeia. Depois distingue seis partes constitutivas da tragédia: o espectáculo, o canto, a elocução, os caracteres, o pensamento e a fábula. [...] 
Aristóteles chega a esta definição: "A tragédia é a imitação duma acção completa e acabada que tem uma dimensão determinada." É pois um todo que tem "um começo, um meio e um fim". A acção deve ser séria, completa, com um justo desenvolvimento valorizado por todos os atractivos que, segundo a sua espécie, se distribuem sob a forma de drama e não de narrativa, e conseguem, excitando a piedade ou o terror, purificar em nós ou purgar estes dois sentimentos. [...]
Aristóteles não fez mais do que extrair a sua teoria dos grandes trágicos gregos e em particular de Sófocles. Ora estes dois sentimentos existiam neles; havia piedade perante o sofrimento dos nossos semelhantes: era uma simpatia quase animal e de que aliás os animais são capazes. Para que este co-sofrimento exista, são precisos certos caracteres. Se se trata dum indivíduo absolutamente perverso, não há sofrimento trágico. [...] As personagens não devem portanto ser absolutamente perversas. Mas também não devem ser absolutamente inocentes, porque o nosso sentimento de justiça se insurgiria e não o suportaríamos. É preciso, pois, diz Aristóteles, que a personagem não seja nem inocente, nem inteiramente culpada: um ser semelhante ao que nós somos e com quem possamos simpatizar. Quando esse ser sofrer, não experimentaremos o sentimento de injustiça absoluta. Todas as personagens  da tragédia grega, diz Aristóteles, entram nesta definição. Achamos por vezes que o castigo não é proporcionado, como em Édipo, mas é em parte merecido. 
O terror difere da piedade. Não é exactamente um temor disfarçado. Aristóteles pensa que a piedade é reservada às personagens; o que nos inspira o terror são as catástrofes que vemos desenrolarem-se e que são causadas pela fatalidade ou anakê. O terror manifesta-se perante os desígnios inelutáveis do Destino. O terrível é sempre causado pelo destino. Logo, a piedade e o terror são não só diferentes psicologicamente, mas são mesmo inversos: quando temos medo, não temos piedade, e vice-versa; são portanto dois sentimentos exclusivos quando estão em primeiro plano. O terror e o temor são de natureza egoísta; a piedade é altruísta. [...]
O verdadeiro fim da tragédia é a catharsis, que tem dois sentidos possíveis. [...] Aristóteles foi buscar este conceito a Platão, mas dá-lhe um sentido novo, empregando-o no sentido fisiológico e médico. Para Platão, não é purgar, é desenvolver as paixões empregando-as; é por isso que Platão condena a tragédia que enfraquece a alma, o que é talvez fisiologicamente mais justo do que a concepção de Aristóteles. Aristóteles quis dizer que não purificamos as paixões, antes as eliminamos. Pelo seu desenvolvimento, elas eliminam-se.
Contrariamente a Platão, que vê na tragédia como na música um exercício perigoso das paixões, e portanto será levado a expulsar os artistas da sua República, Aristóteles, pela sua catártica, vendo nas artes, e mais especialmente na tragédia, uma medicação, um remédio contra o exagero e o excesso, a elas volta constantemente como a uma das sabedorias da sua filosofia. As artes são, à sua maneira, moderadoras; são obreiras do justo meio. As paixões são emoções violentas, mas já reduzidas sob a condição duma catártica.»


Fonte: Bayer, Raymond. (1993) História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa.