Piscator, O Teatro Épico

Erwin Piscator (1893-1966), actor e encenador alemão, surge como um dos nomes incontornáveis na concretização de um Teatro Político que promove a reflexão em torno de temas da actualidade (Zeittheater). Recorreu, para tal, à montagem de quadros, aprendida no Cabaret alemão, mas também à projecção de imagens e filmes, às canções e legendas (à semelhança de Brecht). Era seu propósito, como afirma Eugénia Vasques, «lutar por um teatro que tivesse uma imediata e directa influência na transformação da vida, e que fomentasse a informação e a tomada de consciência dos “porquês” e dos “comos” da realidade de todos os dias.»


«O século XX ficará na história do teatro como o quadro temporal por excelência das grandes revoluções técnicas e estéticas no palco teatral do Ocidente. Com efeito, é neste século que o palco se transforma “no meio, por excelência, para a discussão intelectual, para a análise psicológica, para o conflito social e para a experimentação nas artes teatrais e dramáticas – muito mais, diga-se, do que em outros períodos [históricos] durante os quais o teatro “legitimado” não encontrou qualquer competição noutros domínios do divertimento.” (Gassner, p. 6; tradução minha).

O actor alemão (e sobretudo encenador) Erwin Piscator (1893-1966), um dos grande renovadores da estética teatral na Alemanha, começou a desenvolver uma actividade sistemática no teatro imediatamente depois da Guerra Mundial I. [...] Os seus espectáculos tornaram-se “Manifestos” com o objectivo de “fazer política” e não “divertimento” para a “classe burguesa” que ele tinha, aliás, de ajudar a combater! [...]

Piscator queixava-se do desfasamento entre o teatro político que se desenvolvia no palco prático do tempo e a dramaturgia sua contemporânea. A revolução Expressionista no teatro tinha sido quase exclusivamente de ordem estética e Piscator encontrava-se a travar uma batalha sociológica ao pretender criar um teatro que reflectisse as preocupações e lutas do proletariado. [...] Em 1927, sob a directa responsabilidade do seu colaborador Felix Gasbarra, Piscator fundou o seu primeiro “colectivo dramatúrgico” do qual Brecht seria, aliás, um dos membros activos.

As inovações propostas por Piscator tinham objectivos mais didácticos e dramatúrgicos do que objectivos meramente tecnológicos e foram sistematicamente desenvolvidas ao longo das suas dezanove primeiras encenações. As mais relevantes destas inovações foram a introdução de um narrador-comentador, a utilização sistemática de projecções simples e múltiplas, de filmes e documentários e do filme de banda desenhada, a instalação de cenas simultâneas e de cenas que decorrem ao longo do tempo, a experimentação pioneira de um teatro de luz e a introdução muito experimental dos tapetes rolantes, elevadores e dispositivos cenográficos (como Meyerhold) que eram a própria cenografia. [...]

Depois de regressar à Alemanha Piscator, haveria de afirmar inesperadamente:

Não fui eu que inventei o meu estilo de teatro, mas quem o criou foi a terrível experiência da guerra, o desespero da inflação e as lutas sociais do pós-guerra. Seja teatro político ou teatro épico, nas minhas mãos e quase contra a minha vontade, todas as peças e produções se tornaram confissões. Se fosse necessário encontrar um nome para isto, o mais apropriado seria o de “teatro confessional”. (cit. em Patterson p. 148; tradução minha) [...]»


Fonte: Vasques, Eugénia (2007) Piscator e o conceito de "Teatro Épico". Amadora: ESTC.