Italo Calvino, Porquê ler os clássicos?

Em Porquê ler os clássicos?, Italo Calvino (1923-1985) analisa alguns dos «seus» clássicos, de Homero a Cesare Pavese passando por Flaubert, Tolstoi ou Hemingway, procurando definir o que pode ou deve ser considerado um clássico e para que servirá o seu conhecimento, na juventude ou em idade mais tardia. Apesar de nos emprestar as suas leituras, o escritor não deixa de recomendar a leitura directa dos originais evitando a interpretação alheia.

«Não se lêem os clássicos por dever ou por respeito, mas só por amor. Salvo na escola: a escola deve dar-nos a conhecer bem ou mal um certo número de clássicos entre os quais poderemos depois reconhecer os nossos clássicos. A escola destina-se a dar-nos instrumentos para exercermos uma opção; mas as opções que contam são as que se verificam fora e depois de todas as escolas.» (Calvino, 1994: 10)

O importante é retermos que estas são obras que «servem para compreender quem somos e aonde chegámos», como observa no final do artigo de onde retirámos este excerto. E se não servirem para nada? E têm de servir para alguma coisa além do prazer de descoberta do leitor?


«Porquê ler os clássicos?

1. Os clássicos são os livros de que se costuma ouvir dizer: «Estou a reler...» e nunca «Estou a ler...». [...]
2. Chamam-se clássicos os livros que constituem uma riqueza para quem os leu e amou; mas constituem uma riqueza nada menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas condições melhores para os saborear. [...]
3. Os clássicos são livros que exercem uma influência especial, tanto quando se impõem como inesquecíveis, como quando se ocultam nas pregas da memória mimetizando-se de inconsciente colectivo ou individual. [...]
4. De um clássico toda a releitura é uma leitura de descoberta igual à primeira.
5. De um clássico toda a primeira leitura é na realidade uma releitura. [...]
6. Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer. [...]
7. Os clássicos são os livros que nos chegam trazendo em si a marca das leituras que antecederam a nossa e atrás de si a marca que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes). [...]
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma vaga de discursos críticos sobre si, mas que continuamente se livra deles. [...]
9. Os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto. [...]
10. Chama-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, tal como os antigos talismãs. [...]
11. O nosso clássico é o que não pode ser-nos indiferente e que nos serve para nos definirmos a nós mesmos em relação e se calhar até em contraste com ele. [...]
12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu primeiro os outros e depois lê esse, reconhece logo o seu lugar na genealogia. [...]
13. É clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para a categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo.
14. É clássico o que persistir como ruído de fundo mesmo onde dominar a actualidade mais incompatível. [...]»


Fonte: Calvino, Italo. (1994) Porquê ler os clássicos? Lisboa: Teorema.