Obra Aberta, Umberto Eco

Obra Aberta de Umberto Eco (1962) ensinou-nos que a interpretação dos textos literários não é tarefa que busque ir de encontro a um sentido pré-determinado pelo autor; ao invés, conta com o contributo do leitor, de cada leitor e em cada momento, para a construção de um sentido que assim não pode conhecer a clausura de um único caminho. O leitor deixa de ser entendido como entidade passiva, mero receptor/descodificador de um sentido para o qual não traz qualquer contributo. Quem já leu o mesmo livro com idades bem diferenciadas ou confrontou a sua leitura com a de outros terá consciência do que se fala, ou seja, das possibilidades de leitura que um mesmo texto pode despoletar. Trata-se de uma nova dialéctica entre a obra e o intérprete.


«[...] Em estética, com efeito, tem-se discutido acerca da "definibilidade" e acerca da "abertura" de uma obra de arte: e estes dois termos referem-se a uma situação fruitiva que todos nós experimentámos e que muitas vezes somos levados a definir: uma obra de arte é um objecto produzido por um autor que organiza uma rede de efeitos comunicativos de modo que cada possível fruidor possa recompreender (através do jogo de respostas à configuração de efeitos, sentida como estímulo pela sensibilidade e pela inteligência) a própria obra, a forma originária imaginada pelo autor. Nesse sentido o autor produz uma forma, em si completa, na intenção de que tal forma seja compreendida e usufruída tal como ele a produziu; todavia, no acto de reacção à rede dos estímulos e de compreensão da sua relação, cada fruidor leva uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, propensões, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária apareça segundo uma perspectiva individual. [...] Uma obra de arte, forma acabada e fechada na sua perfeição de organismo perfeitamente calibrado, é igualmente aberta, com possibilidade de ser interpretada de mil modos diferentes sem que a sua irreproduzível singularidade seja por isso alterada. Cada fruição é assim uma interpretação e uma execução, pois que em cada fruição a obra revive numa perspectiva original. [...] O autor oferece, em suma, ao fruidor uma obra para acabar: não sabe exactamente de que modo a obra poderá ser terminada, mas sabe que a obra terminada será sempre, porém, a sua obra, não uma outra, e que no final do diálogo interpretativo ter-se-á concretizado uma forma que é a sua forma, embora organizada por um outro de um modo que ele não podia prever completamente: uma vez que ele, em substância, tinha proposto possibilidades já organizadas racionalmente, orientadas e dotadas de exigências orgânicas de desenvolvimento. [...]»


Fonte: Eco, Umberto (1989) Obra Aberta. Lisboa: Difel.