Barthes, Representações teatrais na Grécia Antiga

Dada a nossa laicidade, dificilmente podemos compreender a importância que o Teatro teve na Grécia Antiga, dado que era uma manifestação simultaneamente de cariz religioso e cívico. Mas, ainda que nos separem do primeiro concurso ateniense de tragédia 26 séculos, só temos a ganhar se nos debruçarmos sobre os primórdios de um género que acompanhou o triunfo da democracia e a hegemonia de Atenas na Grécia Clássica (século V a.C).
«[...] Sabe-se que as representações teatrais só podiam ter lugar três vezes por ano, por ocasião das festas em honra de Dioniso. Havia por ordem de importância: as Grandes Dionísias, as Leneias, as Dionísias Rurais. [...]
Para todas estas festas, o teatro (que é, à letra, o lugar donde se vê) foi edificado num terreno dedicado a Dioniso. A consagração do local teatral implicava a consagração de tudo o que lá se passava: os espectadores usavam a coroa religiosa, os executantes eram sagrados e, inversamente, o delito tornava-se sacrilégio. [...]
O teatro grego foi um teatro legalmente oferecido aos pobres pelos ricos. A coregia era uma liturgia, isto é, uma obrigação oficialmente imposta aos cidadãos ricos pelo Estado: o corego devia mandar instruir e equipar um coro. [...] Os encargos financeiros eram muito pesados: o corego tinha de alugar a sala de ensaios, pagar o equipamento, fornecer as bebidas para os executantes, encarregar-se do salário diário dos artistas. [...]
Em princípio, a entrada no teatro era gratuita para todos os cidadãos, mas como por causa disso havia uma afluência muito grande, estabeleceu-se primeiro um direito de entrada de dois óbolos por cada dia de espectáculo (um terço do salário diário de um operário não qualificado). Este direito, pouco democrático, já que lesava os pobres, foi rapidamente abolido e substituído por uma subvenção do Estado aos cidadãos pobres. Esta subvenção de dois óbolos por cabeça (diobolia) foi decidida cerca de 410 anos a.C. por Cleofonte e recebeu o nome de theoricon. [...]
O mecanismo dos concursos dramáticos era complexo, porque os Gregos eram muito exigentes acerca da sinceridade das suas competições. O arconte, como vimos, designava os coregos; fixava também a lista de poetas admitidos a concorrer. [...] Havia três concorrentes para a tragédia (cada um apresentava uma tetralogia) e três (mais tarde cinco) para a comédia. [...] O julgamento, que se seguia à festa, era confiado a um júri de cidadãos, designado por sorteio (é preciso não esquecer que para os Gregos a sorte era um sinal dos deuses). [...]
É difícil imaginar instituições mais fortes, laços mais estreitos entre uma sociedade e o seu espectáculo. E como esta sociedade era democrática precisamente no momento em que a arte do espectáculo atingiu o seu auge, de bom grado se fez do teatro grego o próprio modelo do teatro popular. No entanto, é preciso recordar que, por admirável que tenha sido, a democracia ateniense não correspondia nem às condições nem às exigências de uma democracia moderna. Já o dissemos, tratava-se de uma democracia aristocrática: ignorava os metecos e os escravos, só considerava quarenta mil cidadãos dentre os quatrocentos mil habitantes da Ática. [...]»
Fonte: Barthes, Roland. (2009) O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70.