Plutarco, sobre o Amor

Plutarco, filósofo e historiador grego que viveu no século I entre Atenas e Roma, polemiza com um grupo de amigos em torno das relações entre amor e prazer, as preferências entre homens e mulheres para o amor e para a amizade e sobre o casamento. Em "Erotika - Diálogo sobre o amor", encontramos entre os interlocutores posições antagónicas que nos permitem conhecer melhor a vida quotidiana no Mundo Antigo.
 
 
«[...] PROTÓGENES - Se considerarmos a reprodução da espécie humana, teremos sem dúvida alguma o direito de achar o casamento necessário e, sob este pretexto, têm os legisladores muita razão de o honrar diante da multidão. Mas ponham-se de sobreaviso contra a possibilidade de se encontrar a mínima sombra de um verdadeiro amor no gineceu! [...] O amor, com efeito, quando é inspirado por uma rapaz jovem, inteligente, conduz à virtude pelo caminho da amizade. Enquanto que o desejo do homem pela mulher, no melhor dos casos, só leva ao prazer do corpo, a um gozo que só dura alguns instantes. [...] Sólon [legislador e poeta grego, séc. VII/VI a.C.] pensava a mesma coisa. Aos escravos, havia proscrito a pederastia, a entrada nos ginásios, sem se preocupar em interditar-lhes a união com mulheres. "Porque, enquanto a amizade é nobre, é um sentimento elevado, os prazeres do corpo são vulgares e indignos de um homem livre, e não é, pois, concebível que um escravo possa amar rapazes visto só os procurar para fazer sexo tal como se procuram as mulheres." [...]
 
DAFNEU - Se o amor não for abafado por uma união tão contranatural como a homossexualidade, a união de um homem e de uma mulher - esta sim, natural - só pode conduzir ao amor, ao menos pela graça que o acompanha. [...] Finalmente, e para sermos totalmente honestos, Protógenes, devíamos admitir que o amor dos rapazes e o amor das mulheres é a mesma e única paixão. [...]
 
PLUTARCO -Nos dois sexos, as razões que fazem nascer o amor são as mesmas. [...] Um belo corpo é sempre a expressão de uma bela alma.
 
E que preferes tu, rapazes ou raparigas?
Quando veja a beleza, sinto-me bissexual!
 
Podemos ficar um pouco surpreendidos com esta resposta, mas porque é que quando escolhe os seus amores, um homem honesto, se decidiria mais por um sexo que pela beleza? [...] Porque haveria o amador de beleza humana de fazer uma diferença entre os dois sexos, como se distinguisse o vestuário feminino do dos homens? [...]
O desejo furioso, quer seja provocado por uma mulher ou por um rapaz, esta em oposição ao amor.
É absurdo, por outro lado, dizer que a mulher não pode participar no Bem e no Belo. [...] E queriam-nos meter pelos olhos adentro que a sua natureza, maravilhosa e irrepreensível a todos os níveis de respeito, seria incompatível com a amizade? [...]
Só conhecem a "fusão total" os esposos amorosos. Os outros amores parecem-se com esses encontros, com esses toques, com essas combinações de átomos acompanhados de choques e seguidos das separações brutais de que fala Epicuro. Tais uniões não conseguem nunca essa unidade perfeita e completa do amor conjugal que, de um modo exclusivo, faz experimentar prazeres duradoiros. Que luz, que harmonia num casamento de amor! [...]
Muitas vezes censuramos e zombamos dos pederastas devido à sua inconstância. [...] Todavia, aqueles que amam verdadeiramente, não merecem esta censura, e Eurípides era comovente quando dizia, cobrindo de beijos e carícias as faces de Agatão, que já se cobriam de barba:  A beleza goza também dum belo Outono. [...]»
 
 
Fonte: Plutarco. (2000) Erotika, Diálogo sobre o amor. Lisboa: Edições Fim de Século.