Horácio, Arte Poética

Horácio (65 a.C./8 a.C.) escreve a Arte Poética (também conhecida por Epístola ad Pisones, família a quem é dedicado o texto) sobre Teoria Literária, nomeadamente sobre a unidade da concepção poética, a ordem e o estilo, os géneros literários e a crítica poética, seguindo alguns dos princípios já presentes na Poética de Aristóteles (sec. IV a.C).
Ainda que o Teatro tivesse perdido a importância que conheceu na Grécia Antiga, na Roma do Imperador Augusto há uma tentativa de recolocar o teatro no seu devido lugar e Horácio lembra a necessidade de seguir o exemplo grego.
Retiramos alguns excertos que resumem bem as ideias defendidas por Horácio neste texto: a unidade e simplicidade do texto, a coerência dos caracteres, a necessidade de verosimilhança, a divisão em 5 actos, o papel moderador do coro, assim como a necessidade de um trabalho árduo por parte do poeta, pois a poesia não nasce de geração espontânea.


«Em suma: faz tudo o que quiseres, contanto que o faças com simplicidade e unidade. [...]
Vós que escreveis, escolhei matéria à altura das vossas forças e pesai no espírito longamente que coisas vossos ombros bem carregam e as que eles não podem suportar. [...]
A virtude e beleza da ordem consistirão - ou eu me engano - em que se diga imediatamente o que tem de ser dito, pondo muitos pormenores de lado e omitindo-os de momento: que o autor do poema prometido, ora escolha este aspecto, ora despreze aquele. [...]
Que cada género bem distribuído ocupe o lugar que lhe compete. [...]
Não basta que os poemas sejam belos: força é que sejam emocionantes e que transportem, para onde quiserem, o espírito do ouvinte. Assim como o rosto humano sorri a quem vê rir e aos que choram se lhes une em pranto, também se queres que eu chore, hás-de sofrer tu primeiro. [...] Tristes palavras só dão bem com rosto pesaroso e com o irado as ameaçadoras; com rosto jovial palavras folgazãs e com o severo as que mostrem seriedade. [...] Tem igualmente de tomar-se em conta, se quem fala é deus ou é herói, velho sisudo ou homem fogoso, na flor da idade. [...] Segue, ó escritor, a tradição ou imagina caracteres bem apropriados [...] ousando conceber em cena nova personagem, então que ela seja conservada até ao fim como foi descrita de início e que seja coerente. [...]
De tal modo cria ficções, de tal modo mistura fábulas com a verdade, que nem o meio destoa do princípio nem o fim do meio. [...]
Há acções que se representam no palco, outras só se relatam depois de cometidas. O que se transmitir pelo ouvido comove mais debilmente os espíritos do que aquelas coisas que são oferecidas aos olhos., testemunhas fiéis, e as quais o espectador apreende por si próprio. Não faças, no entanto, representar na cena o que deva passar-se nos bastidores, retira muitas coisas da vista, essas que melhor descreve a facúndia de uma testemunha. [...]
Que a peça nunca tenha mais do que cinco actos nem menos do que esse número. [...]
Que na peça não intervenha um deus, a não ser que o desenlace seja digno de um vingador; nem tão-pouco se canse um quarto actor a falar na mesma cena.
Que o coro defenda a sua individualidade recitando o seu papel como um actor, e não cante, no meio dos actos, o que não se relacionar nem se adaptar intimamente ao argumento. Que ele seja propício aos bons e, com palavras amigas, os aconselhe, aos irados insuflando calma e aos que temem pecar, concedendo amor. 
Que louve as iguarias da mesa frugal e assim também a justiça saneadora e as leis, tal como a paz que se goza de porta aberta.
Que não revele os segredos confiados e peça aos deuses e lhes suplique que a Fortuna volte aos desgraçados e abandone os soberbos. [...]
Censurai todo o poema que não for aperfeiçoado com muito tempo e muita emenda e que, depois de retalhado dez vezes, não for castigado até ao cabo.[...]
Recebe sempre os votos, o que soube misturar o útil ao agradável, pois deleita e ao mesmo tempo ensina o leitor. [...]
Há quem discuta se o bom poema vem da arte se da natureza: cá por mim, nenhuma arte vejo sem rica imitação e tão-pouco serve o engenho sem ser trabalhado: cada uma destas qualidades se completa com as outras e amigavelmente devem todas cooperar. [...]»


Fonte: Horácio. (2001) Arte Poética. Mem Martins: Editorial Inquérito.

Zola, O Naturalismo no Teatro

Émile Zola (1840|1904) foi um dos principais defensores do Naturalismo, quer na Literatura quer no Teatro, numa aproximação à vida real do leitor/espectador.
Influenciado pelos avanços da ciência e por correntes como o Positivismo e o Evolucionismo, Zola procura denunciar as injustiças sociais presentes no seu século, procurando explicações no ambiente e contexto histórico em que as personagens estão inseridas, assim como no seu passado.



Em 1924, Émile Zola escreve sobre a necessidade de maior realismo no Teatro:

«Quero falar do movimento naturalista que se aplica, no teatro, somente nos cenários e acessórios. Sabemos que há duas posições totalmente contrárias sobre o assunto: uns querem que mantenhamos a nudez dos cenários clássicos; os outros exigem uma reprodução exacta do meio, por muito complicado que seja. Eu partilho, é claro, a opinião dos últimos.
Como não sentir o interesse que um cenário acrescenta à acção? E como os actores ficam à vontade, como aí vivem plenamente a vida que têm de viver! É a intimidade, um lugar natural e acolhedor. Eu sei que para se gostar é necessário gostar de ver os actores viver a peça e não representar a peça. E nisto se resume uma fórmula totalmente nova. [...]

Vejam como o cenário abstracto do século XVII corresponde à literatura dramática do seu tempo. O meio ambiente ainda não é importante. Dá a ideia que a personagem anda no ar, afastada dos objectos exteriores. Sem influência nenhuma. A personagem mantém-se no estádio de tipo, um simples mecanismo cerebral. O teatro dessa época usa o homem psicológico e ignora o homem fisiológico. Nessas condições, o cenário é inútil. Não importa o lugar onde o drama se desenrola, já que não tem qualquer impacto sobre a personagem. [...] A verdade dos cenários, dos figurinos, foi-se impondo pouco a pouco até na própria escrita dramática. [...]

Mas, no fundo, continuamos a encontrar a tradição de majestade, de representação solene. Alguns actores franceses a representar parecem padres a oficiar. Não conseguem subir a um palco sem se julgarem logo sobre um pedestal para onde toda a terra olha. E assumem poses e saem imediatamente da vida para entrar no ramerame do teatro naqueles seus gestos falsos e forçados que fariam partir de rir [se estivessem] na rua. As entradas em cena são acompanhadas de um bater de calcanhar para anunciar e marcar bem a personagem. Os efeitos são constantes e para além do verosímil, com a única intenção de ocupar toda a cena e puxar os aplausos. Ele são jogos fisionómicos para o público, poses de galã, a coxa esticada, a cabeça de lado, mantida numa posição favorável. Não andam, não falam, não tossem como na vida. Vê-se que estão a representar e que o esforço que fazem é para serem diferentes das pessoas de maneira a espantar os burgueses. [...]

As nossas personagens modernas com individualidade e agindo sob o império de influências do que as rodeia, vivendo a nossa vida no palco, sentam-se e por isso precisam de cadeiras, escrevem, necessitando de mesas, vestem-se, comem, aquecem-se, e por isso precisam de um mobiliário completo. [...] Esta é uma necessidade da nossa fórmula dramática actual.»


Fonte: Vasques, Eugénia. (2011) Antologia de textos sobre Naturalismo. Lisboa: Biblioteca ESTC.